Por: Cláudia Carnevalli / Jornalista responsável pela Revista Sescon Campinas
A Revista Sescon Campinas conversou com o médico, especialista na área de Infectologia, Dr. Mauro Crippa para saber quais são as principais orientações, que todos devem seguir para se proteger do novo coronavírus, durante o período de retomada das atividades econômicas.
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Além de Infectologista Crippa é especialista em Medicina de Urgência e atualmente divide-se em diversas funções como médico fiscal do Conselho Regional de Medicina, médico fiscal da Unimed Campinas, diretor técnico da Santa Casa de Cosmópolis, responsável Técnico e Coordenador do Depto. de Urgências e Emergências da Santa Casa de Itatiba e do Hospital de Morungaba e diretor médico do Centro de Pesquisa Clínica do Grupo Allergisa em Campinas.
Ele lembra que a curva de casos na RMC só se eleva e que o número de casos graves e de mortes também vem aumentando e nos meses de junho e julho a RMC poderá viver a mesma situação enfrentada por Manaus nos meses anteriores e o mesmo só não correu devido a quarentena realizada. Ainda segundo o infectologista, a pandemia deve durar até o final de outubro desse ano. Após esse período o uso de máscaras não será mais necessário, mas o distanciamento em termos empresariais deverá continuar, assim como as aglomerações deverão ser evitadas. Num mundo pós-covidiano esses cuidados permanecerão até que a população crie imunidade ao vírus ou que uma nova vacina seja desenvolvida e aplicada em toda a população, o que deve levar neste caso, até pelo menos dois anos para acontecer.
O infectologista iniciou a entrevista agradecendo a oportunidade, o carinho que tem pelo Sescon Campinas, a amizade com o presidente do sindicato Rodrigo de Abreu Gonzales e aproveitou para fazer algumas considerações prévias, que para ele são extremamente pertinentes antes de qualquer entrevista.
O primeiro ponto é que este é um patógeno viral totalmente desconhecido, por isso, a verdade de hoje pode ser o equívoco de amanhã, lembra Crippa. Outro aspecto considerado importante por ele nesse momento é a palavra bom senso, que parece estar em extinção e poderia ajudar a todos a enfrentar a crise gerada pela pandemia com mais tranquilidade.
“Vou responder as perguntas baseado no conhecimento que nós temos hoje e na falta do conhecimento que nós temos, parece incrível isso! Mas é também um fato! E vou responder baseado no que já experimentamos aqui no Brasil, pois existe diferenças entre os países, como de infraestrutura, de cultura, de educação, de como as pessoas lidam com as determinações, com as ordens, diferenças de clima e até de infraestrutura específica em saúde,” enumera Crippa, que acrescenta que hoje o país já tem um histórico sobre o vírus que fornece algum tipo de condição para se fazer uma análise temporal e qualitativa e uma avaliação, um pouco mais assertiva em termos de tempo e de gravidade, a exemplo da experiência em Manaus no Norte e no Nordeste.
Revista: A retoma da economia feita em etapas pelo Plano São Paulo, inclui à volta dos serviços de escritório, já nesta fase laranja onde está a base de cidades representadas pelo Sescon Campinas, com distanciamento social e medidas rígidas de higiene, quais delas seriam as mais importantes na sua opinião?
Dr. Mauro Crippa: Bom em primeiro a higiene, que é um conceito de sanitarismo, é algo que já é esperado, independentemente de Covid ou não. Então, hoje existem coisas que já deveríamos fazer por todo o sempre. A higiene pessoal e particularmente a lavagem das mãos e o contato com superfícies higienizadas, já deveriam ser algo muito corriqueiras em nosso dia a dia, mas infelizmente eu devo dizer para você que não funciona assim. Eu estava na recepção da Santa Casa e vi um taxista, que faz ponto no local, adentrar ao banheiro, fazer suas necessidades e sair do mesmo, sem lavar as mãos. Isso nessa semana, provando que aquela precípua informação que eu dei aqui no começo, do bom senso, está fazendo falta agora nessa questão da pandemia.
Então, dessa forma para responder a primeira pergunta eu vou dizer a você o seguinte, que as condições de higiene são as esperadas para qualquer pessoa que tenha as suas faculdades mentais mínimas e incluem: higiene pessoal, em particular a higiene das mãos de maneira eficaz, não é jogar uma água na mão e sim esfregar as mãos por mais de vinte e cinco segundos com sabão, depois aplicar um álcool em gel a 70%, que inclusive faz a assepsia das mãos. Fora o resto, pois nós temos que falar também da higienização dos locais. Hoje, em particular em função do novo coronavírus, nós temos que higienizar todas as superfícies, especialmente as metálicas, de maneira periódica a cada três, quatro horas, ou seja, o tempo todo.
Revista: Pensando no Plano São Paulo de retomada consciente feita por fases, que podem retroceder ou avançar. Neste momento, qual seria a melhor atitude para que o plano não retrocedesse?
Dr. Mauro Crippa: Sim, nós temos um problema muito grande nessa pandemia, aonde vamos morrer ou por uma doença viral ou de uma doença social psiquiátrica ou de uma doença chamada fome, que inclusive já mata muita gente nesse mundo. A verdade é que a pele do político está entre a ciência da saúde e a ciência econômica, na qual nós não temos condições de permanecer fechados e bloqueados por um período indefinido e ao mesmo tempo, não podemos soltar todo mundo por aí, pelo que eu disse antes, pela falta de bom senso e falta de conceito básico de higiene. Então, o tomador da decisão fica numa encruzilhada muito difícil, fora a pressão que recebe de vários segmentos sociais, comerciais e políticos.
Eu disse isso já em março e vou repetir aqui, inclusive em outras entrevistas. Por ser um ente desconhecido, por ser uma patologia que não sabíamos como lidar, que na verdade, entendíamos que a melhor forma de se proceder era com ciclos, com uma quarentena intermitente. Em outras palavras, com uma quarentena que fosse iniciada de maneira bastante aguda, como foi, com as pessoas literalmente dentro de casa e transcorrido um período, que não tão longo como esse período de dois três meses, mas num espaço curto de tempo, por exemplo, 15 dias, se abriria franca e totalmente o comércio e as pessoas tirariam a diferença do tempo perdido, funcionando não só no expediente comercial, mas até de maneira mais alongada para que conseguissem recompor a condição comercial econômica. Nesse intervalo de abertura os entes públicos de saúde iriam medir a situação e redefinir o próximo período e quanto seria essa próxima quarentena e daí se faria essa intermitência, de certa forma atenderíamos tanto a questão de saúde quanto a questão social econômica das instituições, mas isso não aconteceu.
Agora é inevitável irmos por este caminho. De certa forma, essa questão que está sendo colocada de fazer por fases que retrocedem e vão avançando, nada mais é do que a prova do que estamos dizendo aqui, qual seria a minha atitude para que o plano não retroceda? Não há essa atitude, porque na verdade não é uma questão de atitude é uma questão de resultado. Nós vamos verificar com o comportamento real da população aberta, não mais fechada em quarentena, o que é que nós vamos ter de resultados e se esse resultado for bom, vamos manter aberto se for ruim, não é retroceder, é avançar para uma nova quarentena, porque cai nesse processo que eu falei anteriormente aqui, que era o processo da intermitência abrir e fechar a sociedade.
Curva ascendente
No entanto, eu já quero aproveitar aqui e dizer a você uma coisa, que eu já percebi e já está acontecendo há algumas semanas. Nós estamos com uma curva de casos na Região Metropolitana de Campinas (RMC) que só se eleva, de casos graves e de mortes. Eu atendo quatro municípios, onde tomo conta da Saúde, todos eles tiveram os leitos de UTI sendo ocupados e com pacientes graves, os óbitos aumentaram e hoje nós estamos com a capacidade total tomada. Já precisamos, inclusive de leitos para transferir pacientes. O que eu entendo é que os meses de junho e julho na RMC serão os meses equivalentes ao finalzinho de março, abril e a primeira quinzena de maio lá no município de Manaus, no Norte do país, que eu não preciso fazer propaganda, pois todo mundo sabe o que aconteceu por lá, corpos e corpos, mortes e mortes, mas com uma diferença de atitude. Lá pela característica regional, como eu falei que é um fator muito importante, acredito nisso, eles ficaram totalmente escancarados. Por eles não terem feito essa quarenta, que nós fizemos aqui, a população foi exposta de maneira massiva, de maneira que o vírus se espalhou por toda a sociedade e rapidamente eles foram imunizados em dois meses. Só que isso teve um custo enorme de mortes e do caos mais absoluto no sistema de saúde.
Então, aqui nós conseguimos nos organizar melhor, fazendo esse fechamento do mês de março, abril e maio até então. Mas agora a situação é outra, o vírus está ai e está matando e internando gravemente os pacientes. Muitos falam e você deve estar pensando agora, mas os hospitais estão vazios! Então, os hospitais estão entre aspas vazios, dentro do conceito que a sociedade conhece, passa-se na porta de um pronto-socorro e ele está entupido de pessoas esperando por duas três, quatro cinco, seis, sete, oito horas lá. Isso realmente até voltou um pouco mais agora nestas últimas semanas, mas eles estavam vazios até então, por quê? Porque as pessoas não estavam mais indo buscar atestado, passando por consultas, elas ficaram com medo e não foram. Esse volume está realmente pequeno ou muito baixo. Mas o que nós estamos falando é em hospitais cheios de pacientes graves com Covide. Isso sim, está muito sério hoje, o motivo pelo qual, inclusive o Prefeito Jonas Donizette acabou declinando e não abrindo no dia primeiro de junho e passou para o dia oito e creio bastante que ele tomará uma decisão de retroceder, porque não há condição técnica para tanto.
Revista: Como a abertura já está ocorrendo na RMC e em Campinas, o que os gestores dos escritórios têm que ter em mente nesse processo de retomada? E quais cuidados devem ter com a sua equipe?
Dr. Mauro Crippa: É muito simples, se eu hoje fosse um gestor de escritório, eu ia me modernizar e provar que o escritório pós-covidiano, porque nós temos que dividir o mundo em pré e pós-convide, porque, em tese, se diz que podem vir outros vírus, outras situações no futuro, agora que o primeiro se estabeleceu. Sinceramente, os cuidados são muito simples, eles devem pegar os seus colaboradores e estabelecer uma estrutura a distância em sistema de home office para que todo mundo produza, inclusive, produza até mais, estando cada qual no seu nicho separado. Já está provado que nós conseguimos fazer reuniões e tomar decisões através da tecnologia, a internet está aí para isso.
Em um ou em outro momento em que essa união, essa junção da equipe puder ser física, os cuidados são aqueles que todos nós sabemos, que é manter um certo distanciamento, fazer com que o conceito de cumprimento de relação entre pessoas, que no Brasil sempre foi muito acalorado, torne-se mais europeu. O europeu fora do ambiente familiar chama pelo sobrenome não pelo nome, jamais beija, no máximo pega na mão, e hoje nem na mão está pegando. Então, o comportamento, as relações, certamente vão mudar nesse aspecto. E quando isso acontecer, portanto, da equipe se encontrar, será de maneira mais distante, sem contato físico. Cada um vai sentar-se numa mesa distanciada e vai tomar os cuidados usando as suas devidas máscaras. Isso enquanto durar a pandemia, que acredito que se estenda até o final até outubro desse ano. Depois nós vamos desprezar as máscaras, mas vamos continuar não mais grudados e aglomerados e termos empresariais.
Revista: Pensando no dia a dia e na volta ao trabalho, quais os cuidados para o atendimento presencial de clientes dentro dos escritórios?
Dr. Mauro Crippa: Eu diria assim, primeiro é verificar a mais absoluta necessidade do presencial, porque especialmente em muitas áreas, essa necessidade hoje se demonstra muito relativa. Ela era muito mais cultural, aquela mania de ir pessoalmente do que a necessidade efetiva, vou usar como exemplo: uma fila em lotérica para pagar conta. Se você analisar, hoje friamente, isso é um absurdo, não tem o menor sentido. Você tem uma infinidade de possibilidades para pagar uma conta, inclusive sem perder tempo, ela já pode estar em débito automático, pode ser paga pelo celular, pelo computador, enfim. Então, não há por que atender clientes mais presencialmente. Agora existe uma coisa chamada networking, business e onde a presença ali é muito importante. Vamos dizer o seguinte, o nosso presidente Doutor Gonzalez vai fechar um grande convênio e precisa levar para um almoço um cliente ou enfim um parceiro. Então, ali ele vai tomar todos os cuidados que foram ditos anteriormente para não ficar redundante aqui, que é esse novo comportamento nas relações físicas entre as pessoas no âmbito comercial.
Revista: E as questões emocionais precisam ser revistas pelas empresas?
Dr. Mauro Crippa: Isso é um fator muito importante, eu diria que a pandemia viral trouxe consigo uma questão psiquiátrica muito importante. Hoje nós temos uma pandemia psiquiátrica que não está sendo divulgada, mas ela está acontecendo. Isso digo para você que precisa ser revisto sim, e ser encaminhada para os especialistas, os psiquiatras fazerem suas avaliações e indicar o acompanhamento psicológico.
Revista: Os profissionais com mais de 60 anos ou com doenças pré-existentes devem continuar em isolamento até quando?
Dr. Mauro Crippa: Sim devem continuar, certamente e inquestionavelmente nos meses de junho, julho, no mês de agosto, quem puder por segurança sim e setembro, eu entendo que agora com mais assertividade, antes não tínhamos essa assertividade há 45 dias atrás, e depois começam a progressivamente retornar.
Revista: Até que haja uma vacina ou um tratamento eficaz viveremos o que estão chamando de um “novo normal”, quais suas expectativas sobre a descoberta de uma vacina e de um tratamento? Até quando viveríamos esse “novo normal”?
Dr. Mauro Crippa: Então esse é o novo normal, que eu falei agora. Até quando viveremos isso é uma resposta que eu não tenho para dar, ninguém tem essa resposta ainda. O tratamento é controverso, muitas opções, mas sem comprovação científica de tudo e certa politização no tema! Eu entendo que tudo que tenha chance de tratar ou ajudar, que não cause danos, seja usado, se eu for para UTI, quero que usem em mim, incluindo a cloroquina!
A vacina é um processo protocolarmente largo, que tem um caminho mesmo a seguir e que se nós atropelarmos justificando a pandemia, ele pode inclusive se tornar uma nova pandemia. Então, na verdade, o novo normal vai existir até que efetivamente essa vacina esteja aí. Não só ela esteja, literalmente já inserida em nós todos vacinados. E o novo normal é o que eu disse anteriormente aqui, em termos comportamentais, culturais, que nós comentamos até então. O tempo disso? Não temos esse tempo até agora, porque não existe ninguém especulando efetivamente com relação a uma vacina, todo mundo trabalhando, mas sem uma expectativa. Então, se tivesse que dar um número aqui, este número era não antes de dois anos.
Revista: Acredita que o coronavírus possa deixar de ser uma ameaça, caso a vacina não venha e a população seja mais exposta ao vírus criando imunidade?
Dr. Mauro Crippa: Sim, uma coisa é isso graças a Deus. É um fato que, independentemente da gente ter uma vacina, por que vamos imaginar que você vacina uma população para quê? Para fazer com que ela tenha a sua imunidade relembrada pelo organismo. Por que tomamos um reforço de hepatite B, por exemplo? Porque nós já temos anticorpos, contra o vírus, mas com os anos essa memória imunológica vai decaindo. E lá na frente nós precisamos de uma vacina de modo que faça com que nosso sistema imunológico tenha níveis protetores de novo. Mas o fato é que hoje, nós não temos a vacina, que nós precisamos é nos expor, entre aspas. E nós estamos nos expondo, não de maneira individual, mas enquanto sociedade mundial, nós estamos entre aspas nos infectando pelo vírus de maneira gradativa com as quarentenas, de modo que estatisticamente nessa massa, que está sendo exposta ao vírus, que está pegando a doença e desses a maioria não tem sintomas. Então sim, ela vai deixar de ser pandêmica, vai se tornar endêmica. Esse vírus vai ficar como todos os demais ficaram aí convivendo com o ser humano no planeta. Só que de uma maneira, onde ele seja endêmico. Enfim, que ele cause a doença, mas de maneira bem achatada, onde as pessoas vão acabar tendo esses sintomas e as complicações, uma ou outra, mas não agora com está acontecendo aqui de uma única vez na comunidade mundial.
Revista: Que lições como infectologista você tira dessa pandemia?
Dr. Mauro Crippa: E as lições que eu tiro, eu diria que antes de responder como infectologista, eu tiro lições como pessoa. Primeiro que se a gente pudesse não há essa pergunta aqui, mas vou dizer, o que de bom essa pandemia trouxe, porque a gente só pensa no ruim. Eu diria a você que também têm algumas coisas boas que ela trouxe. Primeiro ela fez com que dois aspectos acontecessem numa outra pandemia que nós estamos tendo, que é a pandemia da tecnologia. Hoje nós temos os adolescentes, crianças, que não sabem mais o que que é rua, o que é empinar uma pipa, jogar uma bola, arrebentar um dedo no campinho de futebol, porque elas vivem uma pandemia da tecnologia, ficam somente em televisões, computadores, celulares. Hoje você tem uma família dentro de uma casa, antes da pandemia você nem sabia que elas estavam lá, porque você tinha cada um no seu mundo da tecnologia. O fato é que a pandemia fez as pessoas ficarem dentro de casa e compartilharem o ambiente familiar, de uma maneira bem legal, bem intensa de novo. Mesmo a despeito de toda essa angústia relacionada a infecção pelo vírus, esse é um ponto.
Como médico infectologista uma lição importante que veio à tona foi a nossa capacidade, mesmo a despeito das dificuldades de recursos de infraestrutura, de nos organizar e nos estruturarmos com aquilo que a gente tem, como isso foi importante. Terceiro, como lição ficou a nossa capacidade adaptativa, quer dizer o brasileiro é um povo acalorado, contato físico, tudo isso e nós aprendemos a não ser assim, não estou dizendo que isso é ruim ou bom, mas é um aprendizado, é uma lição que fica.