Por José Homero Adabo – Contador, Sócio fundador do Escritório Taquaral Contabilidade e Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas
Muitas vezes somos surpreendidos com questões tributárias aparentemente simples, mas quando os documentos chegam para análise, encerram um problema bem maior, o que exige perspicácia e expertise dos contadores para a busca de uma solução. Neste particular, não fique preocupado com termos jurídicos que sempre aparecem.
Hoje vamos tratar de receitas provenientes de pagamento de precatórios.
O precatório nada mais é que um título de crédito, oriundo de uma requisição de recursos financeiros, a qual é feita pelo Poder Judiciário ao ente público (União, Estados, Distrito Federal, Municípios ou autarquias) para pagamento em razão de uma decisão judicial condenatória definitiva, a fim de possibilitar à pessoa que ganhou a ação receber o seu crédito. Para a contabilidade, precatório é um simples título de crédito (um passivo para quem paga e um ativo para quem recebe), expedido pelo poder judiciário contra um ente público devedor que obriga a sua inclusão na proposta orçamentária do exercício seguinte, tendo como beneficiário do crédito a pessoa vencedora da ação. Nessa circunstância, o credor pode ser uma pessoa física ou jurídica.
O importante é compreender a origem do precatório para saber como deve ser a incidência da tributação. A origem está diretamente ligada ao objeto da ação judicial proposta pelo autor contra o ente público devedor do precatório.
Com muita frequência, observam-se precatórios relativos à desapropriação de imóveis pelo poder público. Como o ente público nem sempre dispõe de recursos líquidos no momento da condenação para este tipo de pagamento, fica para a Justiça determinar a expedição de uma requisição do respectivo valor para a inclusão na proposta orçamentária do exercício seguinte, gerando então o tal precatório em favor do credor. A requisição entra numa lista de credores junto ao poder público, compondo uma fila interminável, até que se receba o valor do crédito. Isto leva muitas famílias e empresas a “venderem” estes créditos com deságio às instituições financeiras que operam no segmento. Trata-se de uma maneira legítima de gerar liquidez ao crédito, na tentativa de minimizar o dissabor e a angústia pela espera.
Compreendida então a origem da receita do precatório, a questão tributária passa a ser mais fácil de ser solucionada.
Se o precatório se referir à desapropriação de um imóvel pelo poder público, o valor recebido é um rendimento isento ou tributável pelo IR? Sendo de fato uma desapropriação de imóvel, o valor determinado no processo a ser pago ao expropriado é um rendimento ou uma indenização? Se o precatório tiver origem em diferenças salariais pleiteadas e ganhas por servidor público, este montante será tributado pelo IR ou ficará isento?
Neste artigo não vamos tratar da tributação sobre os ágios ou deságios oriundos da venda dos créditos de precatórios pagos às instituições financeiras especializadas.
Para a análise, vamos considerar um caso hipotético, que, a partir de uma avaliação acurada do objeto e documentos do processo, constatou-se ser mesmo um precatório correspondente à desapropriação de um imóvel pelo poder público. Neste ponto vale o seguinte alerta: trata-se efetivamente de uma desapropriação do imóvel ou é um pagamento decorrente de um acordo feito no processo, que se iniciou como uma pretensa desapropriação pelo poder público, mas que não se concretizou como desapropriação? Aqui é preciso compreender bem a origem e a natureza intrínseca (verdadeira e última) da operação, com base na documentação completa de que a receita recebida seja originária do pagamento de precatório, cuja causa é a desapropriação do imóvel de propriedade do contribuinte, pelo poder público.
Portanto, se o precatório se referir efetivamente ao pagamento pelo imóvel desapropriado, a matriz de incidência tributária para o valor da receita é o Art. 43, do CTN, que diz:
“Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:
I – de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;
II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1º A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. (Incluído pela Lcp nº 104, de 2001). “ (grifamos.
Para a desapropriação, o poder público deve proceder à avaliação a valor justo do bem e indenizar o proprietário com a quantia que permitiria, a princípio, a reposição do capital expropriado.
Sendo de fato e de direito uma operação entre o contribuinte e o poder público de desapropriação daquele bem, a indenização para o proprietário significa o recebimento de um valor que apenas cobre a perda sofrida, significando a manutenção do seu patrimônio líquido prévio. Se for mesmo esta situação, não há que se falar em renda ou proventos de qualquer natureza, que eleve o seu patrimônio, principalmente ante o que dispõe o inciso II, do Art. 43, do CTN acima. Neste caso, não houve aquisição de disponibilidade econômica ou jurídica que represente renda “nova” (inciso I acima) ou que represente acréscimo do patrimônio líquido da pessoa expropriada (inciso II também acima). Assim, desde que o valor recebido tenha sido o suficiente para cobrir as perdas patrimoniais sofridas, a indenização não estará sujeita à apuração de ganho de capital e, por conseguinte, não haverá incidência do IR. Por outro lado, se posteriormente houver algum excedente recebido, em relação ao valor da perda efetivamente sofrida, a diferença será tributada pelo IR.
No caso de desapropriação de imóvel de pessoa física, o Art. 35 do RIR/2018 (Decreto nº 9.580/2018) apenas confere a isenção do IR para os rendimentos decorrentes de desapropriação se o imóvel for destinado à reforma agrária.
Mas, o CARF – Conselho Administrativo de Recursos Fiscais, última instância na esfera administrativa, vem se pronunciando pela não incidência do imposto de renda sobre os valores recebidos como indenização por desapropriação, independentemente do imóvel ser utilizado ou não para a reforma agrária. Neste sentido, é importante registrar que o Órgão Julgador até sumulou a presente questão, nos seguintes termos:
“Súmula CARF nº 42. Aprovada pela 2ª Turma da CSRF em 08/12/2009.
Não incide o imposto sobre a renda das pessoas físicas sobre os valores recebidos a título de indenização por desapropriação. (Vinculante, conforme Portaria MF nº 277, de 07/06/2018, DOU de 08/06/2018).” (grifamos e negritamos).
Veja também, o recente Acórdão CARF nº 2301-010.204 – 2ª Seção de Julgamento/3ª Câmara/1ª Turma Ordinária, (Relator João Maurício Vital), em sessão de 02/02/2023, que apreciou uma operação de desapropriação de imóvel pelo poder público, mas não vinculada à reforma agrária. O Acórdão foi aprovado por unanimidade do Colegiado, que assim se pronunciou:
“ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA (IRPF)
Exercício: 2007
INDENIZAÇÃO POR DESAPROPRIAÇÃO DE IMÓVEL. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.
Não incide o imposto sobre a renda das pessoas físicas sobre os valores recebidos a título de indenização por desapropriação. (Súmula Carf nº 42.)
JUROS INCIDENTES SOBRE VALORES ISENTOS. NÃO INCIDÊNCIA DE IMPOSTO DE RENDA.
São isentos do Imposto de Renda os juros compensatórios ou moratórios correspondentes a rendimentos isentos ou não tributáveis.“. (grifamos).
Salientamos que os juros recebidos, a título de atualização monetária do precatório, seguem a mesma classificação e forma de tributação do valor principal (o acessório acompanha o principal). Se o precatório se referir ao pagamento de uma desapropriação de imóvel, independentemente deste ser utilizado ou não para a reforma agrária, então, por se tratar de uma verba indenizatória, os juros recebidos ficarão igualmente isento do IR.
Quanto à última indagação, no início do artigo, questionando uma hipótese adicional sobre determinado precatório se referir ao pagamento de um rendimento decorrente, por exemplo, de diferenças salariais e horas extras reconhecidas em favor de servidor público, a resposta é que estes valores serão tributáveis pelo IR, por se tratar de rendimento ordinário e regular do trabalho e não uma indenização. Neste ponto, é porque o tipo de rendimento já está determinado pela lei tributária como sendo sujeito à incidência do IR.
Havendo o recebimento de juros por atualização monetária do principal, estes também serão tributáveis pelo IR, uma vez que o principal (diferenças salariais e horas extras) é um rendimento tributável.
Avançando, há casos que chegam aos contadores, dando conta, inicialmente, de que o recebimento de determinada transação com o ente público é, sim, efetivamente, oriundo de um precatório pago pela Prefeitura e que decorre de uma desapropriação de imóvel.
Já presenciamos casos, que ao ser solicitada a apresentação dos documentos para análise, deparamo-nos com situação de efetivo recebimento de pagamento feito pelo poder público municipal; que havia também a publicação do Decreto de utilidade pública para desapropriação da área, porém, nada mais!
Investigando melhor a situação, notamos que o processo de desapropriação pela Prefeitura esbarrou em outras exigências, não tendo sido concluída a operação pretendida, mas havia sim a transmissão do imóvel para a Municipalidade, pelo valor informado pelo cliente, que insistia ser uma receita de desapropriação. Mas pela análise da escritura, notamos de pronto ter sido uma operação comum de venda e compra daquele imóvel, o que obrigou o contribuinte a apurar o ganho de capital e a efetuar o pagamento do IR.
Portanto, para não se sujeitar ao pagamento do IR é sempre importante garantir que a operação seja mesmo uma desapropriação, porém sempre com base em provas documentais.
Em suma, é decisiva uma análise minuciosa para assegurar se de fato a operação feita com o poder público é mesmo a desapropriação do imóvel. Uma simples declaração, por meio de um decreto ou lei, de que determinada área foi declarada de utilidade pública, pode não representar ainda a desapropriação. A declaração de utilidade pública é apenas uma etapa do processo de desapropriação. A desapropriação, em si, se conclui com a efetiva transferência do bem desapropriado do particular para o poder expropriante, mediante documentação hábil, idônea e regular. Neste ponto é imperiosa a comprovação inequívoca pelo contribuinte de que realmente houve a desapropriação do bem em questão.
Sobre o autor:
José Homero Adabo – Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas, Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. Foi Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005). CV: http://lattes.cnpq.br/2767906665796192