Por José Homero Adabo – Contador, Sócio fundador do Escritório Taquaral Contabilidade e Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas
É muito comum operações de empréstimo entre pais e filhos, situação em que na declaração do IR do pai o valor é declarado como bens e direitos a receber do filho e na declaração do filho, o mesmo valor é declarado como dívida e ônus, o que configura um passivo do filho para com o pai. Também é frequente que alguns pais, tendo emprestado determinado valor ao filho, após algum tempo e por razões justificadas perante os demais filhos, resolve perdoar a dívida do filho agraciado com o empréstimo.
Neste momento, surgem pelo menos duas questões:
a) O valor do perdão da dívida é rendimento tributável pelo IR para o filho, já que não terá mais que pagar sua dívida?;
b) O perdão da dívida é equivalente a uma doação, sujeitando-se o devedor perdoado ao ITCMD – Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doação de Quaisquer Bens ou Direitos?
Estas são as questões que trataremos a seguir.
Inicialmente, é preciso demarcar bem o tema do ponto de vista jurídico. O Art. 385 do Código Civil – CC (Lei nº 10.406/2002) estabelece que:
“Art. 385. A remissão da dívida, aceita pelo devedor, extingue a obrigação, mas sem prejuízo de terceiro.” (grifamos).
Isto significa que se o pai remiu (perdoou) a dívida do filho e este a aceitou, estará então extinta a obrigação, mas sem prejuízo de terceiros. Como o pai já justificou o perdão da dívida aos demais filhos, aparentemente estes “terceiros” nada poderão reclamar. Portanto, é possível sim a existência de um perdão de dívida, como extinção da obrigação, desde que seja aceita pelo devedor, não só entre pais e filhos, mas também entre sobrinhos, primos ou duas ou mais pessoas físicas quaisquer.
Já para fins tributários, é preciso avaliar a legislação do IR e do ITCMD. Em relação ao imposto de renda, o Art. 47 do RIR/2018 (Decreto nº 9.580/2018) diz que:
“Art. 47. São também tributáveis (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 6º,caput,e alínea “c”, art. 8º,caput,e alínea “e”, e art. 10, § 1º, alíneas “a” e “c”; Lei nº 4.506, de 1964, art. 26; Lei nº 5.172, de 1966 – Código Tributário Nacional, art. 43, § 1º; Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º; e Lei nº 9.430, de 1996, art. 24, § 2º, inciso IV, e art. 70, § 3º, inciso I):
I – as importâncias com que o devedor for beneficiado, nas hipóteses de perdão ou de cancelamento de dívida em troca de serviços prestados;” (grifamos).
Pelo que se observa acima, somente, serão tributáveis pelo IR as importâncias que o devedor for beneficiado em razão de perdão ou cancelamento de dívida, desde que haja uma troca por serviços prestados. Não havendo nenhuma contraprestação de serviços do filho (devedor perdoado) para com o pai (credor que concedeu o perdão), não há que se falar em tributação do IR para o filho sobre o valor perdoado.
Exatamente assim foram as respostas às Soluções de Consultas DISIT e COSIT dadas, conforme abaixo:
“Solução de Consulta DISIT/SRRF03 nº 3.010, de 23/08/2021.
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF
RENDIMENTOS ORIUNDOS DE PERDÃO OU CANCELAMENTO DE DÍVIDA. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.
O perdão ou cancelamento de dívida somente terá repercussão tributária para o beneficiário se corresponder à contraprestação de serviços ao credor. (grifamos)
SOLUÇÃO DE CONSULTA VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 70, DE 30 DE DEZEMBRO DE 2013, (DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO – DOU DE 09 DE JANEIRO DE 2014, SEÇÃO 1, PAGINA 21).
Dispositivos Legais: Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo Decreto nº 9.580, 22 de novembro de 2018, art. 47, inciso I.”.
“Solução de Consulta COSIT nº 70, de 30/12/2013.
ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA FÍSICA – IRPF
RENDIMENTOS ORIUNDOS DE PERDÃO OU CANCELAMENTO
DE DÍVIDA. TRATAMENTO TRIBUTÁRIO.
O perdão ou cancelamento de dívida somente terá repercussão tributária para o beneficiário se corresponder à contraprestação de serviços ao credor. (grifamos).
Dispositivos Legais: Regulamento do Imposto de Renda, aprovado pelo
Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999, art. 55, I.”.
Portanto, desde que não haja efetivamente nenhuma prestação de serviços do devedor perdoado para o credor, em razão do perdão total ou parcial da dívida, não deve o valor perdoado sofrer qualquer tributação pelo IR.
Agora, precisamos avaliar a segunda questão proposta acima. O valor perdoado pode ser entendido como doação do credor para o devedor e por isso, sujeito ao ITCMD?
De pronto, é de se destacar que o Art. 538 do CC (Lei nº 10.406/2002) abaixo exige que para se considerar uma doação é necessário que haja um contrato em que o doador (o credor que está perdoando, neste caso), por liberalidade transfere do seu patrimônio vantagens para outra pessoa.
“Art. 538. Considera-se doação o contrato em que uma pessoa, por liberalidade, transfere do seu patrimônio bens ou vantagens para o de outra.”. (grifamos).
Não nos parece ser o caso de doação o valor da dívida perdoado pelo pai em favor do filho. Mas é preciso cautela para se evitar o mascaramento de operação de doação por meio de perdão de dívida.
É importante distinguir que a doação e a remissão de dívidas são institutos jurídicos diferentes entre si: a doação tem natureza jurídica de contrato e a remissão ou perdão de dívida representa uma modalidade de extinção da obrigação, conforme as disposições do CC acima referidas.
No entanto, ambas caracterizam-se pela exigência de manifestação de vontade do agente para a sua concretização. Por isso, em razão dos efeitos gerados pelo perdão (remissão) de dívida, o valor pode ser utilizado em algumas circunstâncias apenas para encobrir a realização de uma doação, eximindo-se assim o beneficiário do pagamento do ITCMD.
A resposta à Consulta Tributária nº 20.978/2019, expedida pela SEFAZ/SP, assim ementou o tema:
“Ementa
ITCMD – Renegociação de dívida no âmbito de operação de crédito bancário – Remissão parcial da dívida – Incidência.
I. Nas operações de renegociação de dívida em âmbito comercial, se restar claro que são pertinentes, legítimas, justificáveis e que a renegociação da dívida seja uma estratégia empresarial para incentivar o adimplemento da obrigação e não a transferência voluntária de patrimônio do credor para o devedor, não se vislumbra, a princípio, a existência de doação.”. (grifamos).
Muito embora, a solução dada à questão trazida pelo contribuinte se refira à operação de crédito bancário no âmbito comercial, a essência é a mesma, qual seja a remissão parcial da dívida, que sendo pertinente, legítimo e justificável o perdão parcial da obrigação e que a medida foi uma estratégia empresarial para incentivar o adimplemento da obrigação, a SEFAZ/SP esclarece que não está configurada a doação.
Aqui o núcleo da decisão em resposta à consulta formulada é que o perdão da dívida, mesmo que parcial, seja um ato legítimo e justificável do credor para incentivar o pagamento da obrigação pelo devedor. Mutatis mutandis, o pai que perdoa a dívida do filho tem toda a legitimidade e justificativa para a sua remissão, tendo em vista incentivar o filho a conquistar sua independência financeira ou saldar a sua obrigação no futuro, se o perdão for parcial.
Sobre o autor:
José Homero Adabo – Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas, Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. Foi Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005). CV: http://lattes.cnpq.br/2767906665796192.