Por José Homero Adabo – Contador, Sócio fundador do Escritório Taquaral Contabilidade e Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas
O primeiro impacto da Reforma Tributária 2023, no Estado de São Paulo, já se faz presente entre os contribuintes. Há um projeto de lei em tramitação na Alesp – Assembleia Legislativa de São Paulo, desde 02/02 pp., propondo a elevação da alíquota do ITCMD – Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação – dos atuais 4,0% para 8,0% sobre o valor de heranças e doações.
O protocolado é o projeto de lei ordinária (PL) nº 07/2024, de autoria de parlamentar paulista, do Partido dos Trabalhadores, que modifica a legislação do ITCMD no Estado de São Paulo, para também inserir a progressividade de alíquotas, alinhadas ao que dispõe a EC nº 132/2023.
Mesmo passando-se pouco mais de um mês da promulgação da Emenda Constitucional da reforma tributária, a rapidez na iniciativa de apresentação do projeto de lei, elevando a carga tributária sobre heranças e doações, torna a decisão legítima, por se tratar de prerrogativa do poder tributante estatal, aqui por meio do poder legislativo, concedida pelo texto da reforma constitucional de 20/12 pp. Mas isto também dá ao contribuinte toda a legitimidade para planejar e executar ações legais decorrentes das novas medidas a serem implementadas pelo projeto de lei, no interregno de tempo entre a eventual publicação da nova lei (caso o PL seja aprovado e promulgado pelo Governador) e a sua entrada em vigor, quando só então passará a obrigar o contribuinte à aplicação da nova legislação.
Considerando-se o princípio da anualidade e admitindo-se que o referido PL nº 7/2024 seja aprovado e promulgado ainda em 2024, a sua entrada em vigor somente se dará a partir de 01.01.2025. Assim, os contribuintes têm ainda todo o ano de 2024 para tomar legitimamente todas as medidas que entender necessárias e adequadas ao planejamento sucessório de sua família, à luz dos valores de bens e direitos que poderão ser transmitidos a título de herança e/ou doação e que impliquem em futuro fato gerador do ITCMD.
Todas as ações tomadas pelos contribuintes antes da entrada em vigor das novas alíquotas, agora mais elevadas, além da implantação da progressividade do ITCMD, desde que respaldada na lei vigente ao tempo das medidas, são perfeitamente legítimas, legais, eficazes e indicadas para serem exercidas como um direito legítimo dos contribuintes. Aqui se insere o planejamento sucessório de muitas famílias, cujos valores da futura herança e/ou doações se constituem numa síntese do esforço produtivo especial, realizado por seus antecessores, ou conquistado pelo atual núcleo familiar, ainda em vida, ao longo de muitos anos de trabalho árduo e sério.
Mais abaixo seguem algumas dicas de planejamento sucessório para famílias que disponham de valores relevantes a serem transmitidos futuramente a seus herdeiros.
- 1. PROJETO DE LEI ESTADUAL Nº 7/2024
Na própria justificativa do PL, é possível verificar que a propositura, segundo o Autor, é para reformular as alíquotas do ITCMD no Estado de São Paulo, visando atender às alterações promovidas pela Reforma Tributária:
“proposta de lei visa promover uma reformulação nas alíquotas do Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação (ITCMD) no Estado de São Paulo, com o intuito de atender às alterações promovidas pela Reforma Tributária (Emenda Constitucional nº 132, de 2023) e alcançar uma maior justiça fiscal.“. (negritamos).
Diz mais, que:
“Ao dispor sobre a alteração do artigo 155 da Constituição Federal, a emenda incluiu o inciso VI, dispondo que o imposto instituído pelo Estado ‘será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação’.”. (negritamos).
Continua justificando que:
“A Resolução nº 9/1992, do Senado Federal, dispõe que a alíquota máxima do ITCMD deve ser de oito por cento, permitindo alíquotas progressivas em função do quinhão que cada herdeiro efetivamente receber, nos termos da Constituição Federal”. (negritamos).
Arremata a redação do PL, afirmando que:
“a constituição agora traz como obrigação (“será progressivo em razão do valor do quinhão, do legado ou da doação”).”. (negritamos).
Por se tratar de um tributo sobre o patrimônio transmitido, o projeto de lei protocolizado na Alesp carece de justificativas econômicas, tais como: efeitos esperados sobre a distribuição de renda; qual a base da tributação e das receitas esperadas com as novas alíquotas do imposto; razões para a adoção de quatro alíquotas (2,0%, 4,0%, 6,0% e 8,0%); fundamentação para a escolha dos valores e intervalos de cada faixa de transmissão, a fim de que possam mesmo garantir a progressividade da medida. Enfim, são algumas questões não presentes do projeto de lei.
Destacamos, por não ter sido contemplado neste, mas presente em outros projetos de lei discutidos na Alesp, que a proposta do PL nº 7/2024 não contempla nenhuma modificação no limite atual de isenção do ITCMD na transmissão causa mortis do único imóvel residencial utilizado pela família de até 5.000 UFESPs. Também não prevê a isenção na transmissão do único imóvel residencial, independentemente, do uso pela família do de cujus, de até 2.500 UFESPs e de doações comuns e ordinárias de até 2.500 UFESPs. Assim, sendo aprovado o projeto de lei, estas isenções permanecerão.
Para uma breve comparação, o PL nº 250/2020, de 17/04/2020, já tramitado na Assembleia de São Paulo, previa a isenção do ITCMD para a transmissão causa mortis de imóvel residencial urbano ou rural utilizado como residência dos familiares de até 10.000 UFESps e de imóvel comum de até 4.000 UFESPs. Havia no projeto a previsão de isenção do imposto para a transmissão decorrente de extinção de usufruto, o que torna a medida muito interessante para inúmeros contribuintes. Para as doações estava mantida a isenção para operações de até 2.500 UFESPs.
É interessante também registrar que no PL Alesp nº 250/2020, a primeira faixa da progressão de alíquotas era constituída por operações de valor igual ou inferior a 10.000 UFESPs para transmissão causa mortis e de valores iguais ou inferiores a 2.500 UFESPs nos casos de doações. Nesta primeira faixa, a alíquota aplicada era “zero”, o que não consta no presente PL nº 7/2024.
De todo modo, é possível registrar o formato da progressividade, nos termos do que consta da redação da peça legislativa, atualmente em tramitação na Assembleia Paulista:
“Até 10.000 UFESPs (até R$ 353.600,00), aplicação de alíquota de 2%: esta faixa busca assegurar uma tributação mais branda para patrimônios de menor expressão, permitindo redução para transmissões de menor valor.
De 10.000 a 85.000 UFESPs (de R$ 353.600,00 a R$ 3.005.600,00), aplicação de alíquota de 4%: essa faixa continuará com o mesmo percentual aplicado atualmente, sem impor uma carga tributária excessiva.
De 85.000 a 280.000 UFESPs (R$ 3.005.600,00 a R$ 9.900.800,00), aplicação de alíquota de 6%: continuando a progressão, nesta faixa aplica-se uma alíquota mais alta para patrimônios substanciais, mas mantendo um equilíbrio na tributação.
Acima de 280.000 UFESPs (acima de R$ 9.900.800,00), aplicação de alíquota de 8%: a alíquota mais elevada nesta faixa reflete a capacidade contributiva robusta dos contribuintes com patrimônios significativos.” (negritamos).
Merece destaque o pouco aprofundamento sobre as razões de implantação deste grau de progressividade no imposto sobre a riqueza, como um esforço à redução da concentração do patrimônio e, por conseguinte, da renda no país.
Também não há qualquer justificativa técnica para a escolha das alíquotas de 2,0%, 4,0%, 6,0% e 8,0% aplicáveis a cada parte decomposta do valor da transmissão de bens e direitos e seus efeitos sobre os custos para o herdeiro ou donatário, a fim de avaliar quão forte é ou não a progressividade.
- 2. AVALIAÇÃO DA PROGRESSIVIDADE DO ITCMD
Nas tabelas 1 a 4 abaixo são apresentadas várias simulações, visando verificar a intensidade da progressividade do ITCMD proposta no projeto de lei, ora em exame. Foram tomados valores de transmissão de bens e direitos por herança ou doação de R$ 1.000.000,00; R$ 2.000.000,00; R$ 3.000.000,00; R$ 4.000.000,00; R$ 7.000.000,00; R$ 10.000.000,00 e R$ 12.000.000,00. Em seguida foram aplicadas as quatro alíquotas distribuídas pelas faixas de valores tributáveis previstos no projeto.
Na tabela 1 verifica-se que para o valor de transmissão de R$ 1.000.000,00 a alíquota efetivamente devida pelo contribuinte é de 3,29%, correspondendo ao ITCMD de R$ 32.928,00, portanto, abaixo dos 4,0% vigentes atualmente. Para o valor de R$ 2.000.000,00 de transmissão a alíquota efetiva de tributação obtida na simulação é de 3,65%, para um ITCMD no valor de R$ 72.928,00, também inferior aos 4,0% de hoje.

Neste momento, fica evidente a comparação com o projeto anterior do ITCMD discutido na Alesp (PL nº 220/2020), no qual a transmissão de herança de um imóvel residencial, urbano ou rural, ocupado por familiares, de até R$ 353.600,00 estava totalmente isenta do ITCMD, enquanto no atual PL nº 7/2024, o contribuinte terá que desembolsar R$ 7.072,00 (primeira linha de cálculo na tabela acima) para a operação.
Na tabela 2 abaixo, para o valor de transmissão de R$ 3.000.000,00, a alíquota efetivamente devida pelo contribuinte já é de 3,76%, correspondendo ao ITCMD de R$ 112.928,00. Para o valor de R$ 4.000.000,00 de transmissão, a alíquota efetiva de tributação obtida na simulação é de 4,32%, para um ITCMD no valor de R$ 172.816,00.

Aqui já é possível notar uma elevação das alíquotas de 3,29% e 3,65% (Tabela 1) para 3,76% e depois, 4,32%, o que revela mesmo um crescimento das alíquotas efetivas do ITCMD, mostrando uma “certa” progressividade pretendida para o imposto. Também é possível inferir que o valor da transmissão de “equilíbrio”, previsto no atual projeto de lei, que garante a mesma carga tributária atualmente vigente (4,0%), deve ficar entre R$ 3.000.000,00 e R$ 4.000.000,00.
Na tabela 3, a seguir, verifica-se que, na transmissão de bens e direitos de R$ 7.000.000,00, a alíquota efetiva a ser suportada pela contribuinte passa para 5,04%, com um valor de ITCMD de R$ 352.816,00. Para herança ou doação de R$ 10.000.000,00, a alíquota efetiva calculada é de 5,35%, e o valor absoluto do ITCMD é de R$ 534.800,00.

Finalmente, temos, na tabela 4 abaixo, os cálculos simulados para uma transmissão de R$ 12.000.000,00, cuja alíquota efetiva do tributo para o contribuinte passa de 5,35% para 5,79%, com o valor de ITCMD de R$ 694.800,00. Neste nível de valor, o ITCMD paulista passa muito longe dos atuais 4,0%.

Neste instante, uma questão técnica surge: Qual é o ponto de equilíbrio para o valor da transmissão causa mortis ou por doação, no qual o contribuinte não sofreria nenhum acréscimo de carga tributária do imposto, em relação à legislação vigente atualmente? A resposta é a transmissão de bens e direitos de R$ 3.359.200,00, conforme consta da tabela 5, apresentada na sequência, resultando numa carga tributária efetiva de 4,0%.
Todos os detalhes constam da tabela, onde pode-se verificar, facilmente, a sequência de cálculo. Neste ponto, o valor do ITCMD, considerando-se a distribuição de alíquotas por faixas, segundo consta do PL, o total do imposto é de R$ 134.368,00, correspondente então a uma alíquota efetiva de 4,0%, tal como previsto hoje na legislação vigente em São Paulo.

Por último, é interessante analisar o gráfico abaixo, onde se encontram correlacionadas as alíquotas efetivamente incorridas do ITCMD e os valores de transmissão, tanto para herança, como para doação. Nota-se pela inclinação da curva um bom grau de progressividade, chegando a um leve crescimento da taxa efetiva do tributo para valores de transmissão mais elevados.

Merece destaque o ponto de equilíbrio entre a carga tributária atual do imposto e aquela prevista no PL nº 7/2024, cujo valor de transmissão é de R$ 3.359.200,00. Este montante representa exatamente o valor da transmissão para o qual a eventual implantação da progressividade de alíquotas do ITCMD na legislação paulista, determina uma alíquota efetiva de 4,0%. Para valores de transmissão mais elevados, a alíquota será superior a 4,0%. |
- 3. PLANEJAMENTO SUCESSÓRIO TENDO EM VISTA O PL Nº 7/2024
Como dito na introdução do artigo, é totalmente legítimo ao contribuinte utilizar-se da melhor estratégia tributária, desde que permitida pela legislação em vigor e que seja tomada antes da efetiva ocorrência do fato gerador do tributo. Este é um direito sagrado do contribuinte.
Pois bem, neste caso, supondo-se que a aprovação e promulgação da lei pelo Governador seja feita até o 3º trimestre deste ano, as novas alíquotas efetivas, agora mais elevadas a partir de R$ 3.359.200,00 de valor da operação, entrarão em vigor a partir de 01.01.2025. Portanto, esta será a data limite para as famílias que desejarem aproveitar a oportunidade para a elaboração de planejamento sucessório, considerando-se o montante da herança a ser transmitida.
Não há uma regra universal para este processo, devendo cada caso ser estudado isoladamente e de forma aprofundada. Mas é possível adiantar algumas medidas que poderão eventualmente ser tomadas pelo núcleo familiar.
A primeira delas é tornar público entre os herdeiros o interesse em realizar um plano de sucessão, que permita antecipar eventuais dificuldades futuras na divisão de bens, além de aproveitar a pequena janela de oportunidade tributária criada pela Reforma Tributária de 2023. É primordial levar em conta ao construir o planejamento sucessório familiar a proteção dos bens, a melhor forma de administrá-los, com o menor custo tributário legalmente possível.
Na sequência, deve ser elaborada uma lista dos bens e direitos avaliados a valor de mercado atual para então simular os cálculos dos tributos incidentes, para os vários cenários a serem concebidos.
Devem ser consideradas as possibilidades de realização, em vida, da doação simples dos bens e direitos, doação com reserva de usufruto vitalício, com possibilidade de acrescer em favor do cônjuge sobrevivente, inclusão de cláusulas de inalienabilidade e incomunicabilidade (restrição de transmissão a terceiros) etc. Havendo imóveis urbanos ou rurais, deve ser avaliada a alternativa de constituição de empresa holding familiar para a administração dos bens. Deve também ser analisada a possibilidade de doação em vida para ajustes dos quinhões a serem integralizados ao capital da empresa; a possibilidade de após a constituição, realizar a doação de quotas aos herdeiros, com reservas de várias naturezas permitidas pela legislação civil, como estratégia de proteção de bens de família.
O passo seguinte é a discussão em família para a escolha do melhor cenário alternativo, considerando-se não só o custo tributário, mas os custos de execução da proposta, envolvendo honorários de contadores e avaliadores, bem como taxas de cartórios e de Junta Comercial, esta última, quando for o caso. A cifra consolidada deve ser comparada com os futuros custos tributários para a realização de inventário post mortem, acrescidos de honorários advocatícios, além de prováveis dificuldades familiares para tratamento do tema naquele momento.
Por último, devem ser minutados todos os documentos de transmissão de bens e direitos, para ampla discussão entre os familiares. Neste momento, consultas a profissionais externos ao processo sucessório são muito bem-vindas.
Sobre o autor:
José Homero Adabo – Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas, Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005). CV: http://lattes.cnpq.br/2767906665796192