Por José Homero Adabo – Contador, Sócio fundador do Escritório Taquaral Contabilidade e Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas

É muito comum, na gestão do dia a dia de uma empresa, a realização de transações com pessoas ligadas. São exemplos de pessoas ligadas a uma pessoa jurídica os sócios, administrador ou titular de firma individual, o cônjuge ou parentes do sócio ou titular, até o terceiro grau. Muitas vezes, uma simples operação de transferência de um terreno, veículo ou outro bem de maior valor, à esposa, filho ou a um parente, se não for bem estruturada, poderá ensejar autuação do contribuinte, por ser considerada distribuição disfarçada de lucros.

Vejam o que diz o Art. 528 do RIR/2018, transcrito abaixo:

“Art. 528. Presume-se distribuição disfarçada de lucros no negócio pelo qual a pessoa jurídica (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 60,caput, incisos I ao IV, VI e VII):

I – aliena, por valor notoriamente inferior ao de mercado, bem do seu ativo a pessoa ligada;

II – adquire, por valor notoriamente superior ao de mercado, bem de pessoa ligada;

III – perde, em decorrência do não exercício de direito à aquisição de bem e em benefício de pessoa ligada, sinal, depósito em garantia ou importância paga para obter opção de aquisição;

IV – transfere a pessoa ligada, sem pagamento ou por valor inferior ao de mercado, direito de preferência à subscrição de valores mobiliários de emissão de companhia;

V – paga a pessoa ligada aluguéis, royalties ou assistência técnica em montante que excede notoriamente ao valor de mercado; e

VI – realiza com pessoa ligada qualquer outro negócio em condições de favorecimento, assim entendidas condições mais vantajosas para a pessoa ligada do que as que prevaleçam no mercado ou em que a pessoa jurídica contrataria com terceiros.”. (grifamos).

O Art. 60 do Decreto Lei nº 1.598/1977 prevê ainda, no seu inciso V, que também se presume distribuição disfarçada de lucros quando a pessoa jurídica “empresta dinheiro a pessoa ligada se, na data do empréstimo, possui lucros acumulados ou reservas de lucros”. (negritamos).

O termo comum nos incisos I a VI do RIR/2018 é qualquer daquelas operações, realizadas com pessoa ligada, por valor não compatível ao de mercado. Inclui-se também nesta lista o empréstimo de dinheiro feito por pessoa jurídica à pessoa ligada, se na data da operação, a empresa possuir lucros acumulados ou reservas de lucros. (inciso V do Art. 60 Decreto Lei nº 1.598/1977).

As ações exercidas pelo contribuinte em operações com bens ou direitos que podem sujeitá-lo ao enquadramento como distribuição disfarçada de lucros podem ser a alienação, aquisição, perda por não exercer o direito de aquisição de bem, transferência, pagamento de aluguéis ou qualquer outro negócio em condições de favorecimento.

Só não se aplica o instituto de distribuição disfarçada de lucros na devolução de participação no capital social ao titular, sócio ou acionista de pessoa jurídica em bens ou direitos avaliados a valor contábil ou de mercado.

Por se tratar de uma presunção, a distribuição disfarçada de lucros precisa ficar bem caracterizada e demonstrada pelo fisco, para que a autuação se sustente e prospere. É o que prevê o parágrafo 3º do Art. 528 do RIR/2018, como segue:

“§ 3º A prova de que o negócio foi realizado no interesse da pessoa jurídica e em condições estritamente comutativas ou em que a pessoa jurídica contrataria com terceiros exclui a presunção de distribuição disfarçada de lucros (Decreto-Lei nº 1.598, de 1977, art. 60, § 2º).”. (grifamos).

O Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) tem se manifestado desfavoravelmente ao contribuinte em vários casos, tais como:

  1. Acórdão CARF nº 1.402-006.214, sessão de 17/11/2022, da 4ª Câmara/ 2ª Turma Ordinária/ 1ª Seção de Julgamento (Relator Iágaro Jung Martins)

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ). Ano-calendário: 2010

DISTRIBUIÇÃO DISFARÇADA DE LUCROS. ALIENAÇÃO DE BEM

POR VALOR NOTORIAMENTE INFERIOR AO VALOR DE MERCADO.

Caracteriza-se distribuição disfarçada de lucros quando a pessoa jurídica aliena bem a seus sócios por valor notoriamente inferior ao valor de mercado, caracterizado por alienação posterior a terceiro independente por valor substancialmente superior.

ALIENAÇÃO DE BEM IMÓVEL. MOMENTO DA OCORRÊNCIA PARA FINS TRIBUTÁRIOS.

Por alienação entende-se qualquer operação, como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins (art. 3º, § 3º, da Lei nº 7.713, de 1988), independentemente do registro do título aquisitivo de propriedade no Registro de Imóveis.”. (grifamos).

No Acórdão supra, o CARF entende como distribuição disfarçada de lucros e mantém a autuação do fisco, quando a alienação de bens ou direitos aos sócios for feita por valor notoriamente inferior ao de mercado, assim entendido quando houver uma alienação posterior do mesmo bem ou direito a terceiro, por valor superior.

  • Acórdão CARF nº 1.201-006.855, em sessão de 13/06/2024, da 2ª Câmara/ 1ª Turma Ordinária/ 1ª Seção de Julgamento (Relator Lucas Issa Halah) 

ASSUNTO: IMPOSTO SOBRE A RENDA DE PESSOA JURÍDICA (IRPJ). Ano-calendário: 2008

DISTRIBUIÇÃO DISFARÇADA DE LUCROS. DEMONSTRAÇÃO INSUFICIENTE.

A presunção de distribuição disfarçada de lucros de que trata o art. 60, VII do Decreto-lei nº 1.598/77 demanda a prova do fato indiciário legalmente previsto, de que o negócio foi celebrado com condições mais favoráveis para a pessoa ligada do que as prevalecentes no mercado.

Para a prova deste fato indiciário não basta a demonstração abstrata de que a margem de lucro auferida pela parte ligada ou o mark-up por ela praticado seriam elevados no sentir da fiscalização. O favorecimento demanda a observância de parâmetros de preço que respeitem os parágrafos 4º a 7º do artigo 60.”. (grifamos).

No Acórdão acima, o CARF pontua, ao se referir aos parágrafos 4º a 7º do Art. 60 do Decreto Lei nº 1.598/1977, que a autoridade fiscal deve demonstrar, por meio de levantamento apropriado, qual é o valor de mercado do bem ou direito efetivamente transacionado. Por valor de mercado deve ser entendido o preço das vendas efetuadas em condições normais de mercado.  Se não houver mercado ativo para aquele bem ou direito, o valor poderá ser determinado com base em informações de negociações anteriores e recentes do mesmo bem ou, ainda, em negociações contemporâneas de bens semelhantes, desde que realizadas entre pessoas que praticam livremente essas operações, sem pressão ou condição. Por fim, se ainda não houver mercado ativo e o contribuinte demonstrar o valor transacionado por meio de laudo de avaliação, emitido por perito ou empresa especializada, caberá à autoridade fiscal a prova de que o negócio, objeto de sua fiscalização, serviu mesmo de instrumento de distribuição disfarçada de lucros. Esta última condição é muito favorável ao contribuinte.

Por último, o Parecer Normativo CST nº 241/1971 estabelece que:

02 – Imposto sobre a renda e proventos

02.02 – Pessoas Jurídicas

02.02.99 – Outros

Sociedades associadas, no sentido de que uma delas detenha parte do capital nas demais, ou em que cada uma possua ações ou quotas do capital das outras, não podem realizar empréstimos entre si, se não atenderem aos requisitos dos incisos I, II e III, da letra “g”, do art. 251 do RIR, sob pena de tais operações serem consideradas distribuição disfarçada de lucros, por serem essas sociedades participantes nos lucros umas das outras.

Em suma, para não se correr o risco de autuação por distribuição disfarçada de lucros na realização de qualquer das operações acima com pessoas ligadas, o contribuinte deve garantir que o valor da operação seja equivalente ao preço de mercado ou em condições de preço e forma de pagamento, tais que a pessoa jurídica contrataria a mesma operação com terceiros.

Sobre o autor:

José Homero Adabo – Vice-Presidente Administrativo do Sescon Campinas, Contador pela PUC-Campinas (1989) e Mestre em Ciências Sociais pela Escola de Sociologia e Política de S. Paulo – Inst Complementar da USP (1980). Técnico em Contabilidade (1970), Especialista em Direito Tributário pela Escola de Direito de S. Paulo – FGV/SP (2020). Professor de Contabilidade e Economia da PUC-Campinas (1975-2009). É sócio fundador de Escritório Taquaral Contabilidade, em Campinas – SP. Conselheiro Efetivo do CRC/SP (2002-2005). CV: http://lattes.cnpq.br/2767906665796192