FAKE NEWS X ELEIÇÕES

2322
Foto: Pixabay

UMA HISTÓRIA REFORÇADA PELA INTERNET

Por: Cláudia Carnevalli, publicada na Revista Sescon Campinas, edição 88, julho de 2018

Atire o primeiro celular, quem nunca por um minuto sequer, acabou acreditando que aquela notícia lida em um aplicativo de mensagens, em redes sociais ou naquele site, poderia até ser verdadeira e não uma Fake News (Notícia Falsa). Elas circularam de forma viral durante a greve dos caminhoneiros, após o assassinato da vereadora do PSOL Marielle Franco, nas eleições americanas, nas campanhas de vacinação e em muitos outros momentos. Em épocas de eleições não é diferente, muitas sãos as notícias falsas, que surgem com o objetivo de beneficiar ou prejudicar um determinado candidato ou partido.
Uma pesquisa do Monitor de Debate Político no Meio Digital, da Universidade de São Paulo (USP), revelou que é pelos grupos de família do WhatsApp, que as Fake News costumam se propagar com mais força.
Para o filósofo e professor do IFCH da Unicamp, Roberto Romano, o grande perigo das Fake News está no fato delas lembrarem muitos aspectos da verdade e não somente mentir. “Uma notícia totalmente mentirosa, por si só não conseguiria credibilidade alguma. Já a Fake é mais perigosa, pois mistura elementos da verdade, que dão a ela aparência de notícia”, diz.
A prática não é novidade, reforça o filósofo e também professor do IFCH da Unicamp, Reginaldo Moraes: “a mídia impressa, velha como é, sempre foi palco de informação falsa propositadamente difundida com fins escusos. Houve um tempo em que se brincava: determinados jornais mentem até em horário de cinema ou em notícia de morte. Nenhum exagero. Durante a ditadura, os jornais do grupo Folha se transformaram em especialistas em Fake News”, recorda o filósofo, que acrescenta: “se fosse crer em certos jornais, acreditaria até mesmo que o ET de Varginha estava, de fato, em um laboratório de peritos da Unicamp. E isso não foi difundido por redes de internet, mas por grandes jornais. Com a internet essas notícias ganharam mais força e visibilidade, pois as pessoas não refletem sobre o que leem e ainda compartilham,”enfatiza.
Romano segue a mesma linha de pensamento e destaca uma prática comum nas eleições norte americanas, ligada à profissão dos Spin doctors, representantes de escritórios de propaganda política, encarregados de espalhar notícias falsas sobre os outros candidatos. “Até aqui não há novidade, a prática é antiga, mas foi sendo elaborada. Um pouco antes das primeiras eleições de Barack Obama havia muita falsidade espalhada em favor de Hillary Clinton”, ressalta Romano. E como o mundo dá voltas, a candidata perdeu a eleição anos depois para Donald Trump, graças a essa mesma prática, usada desta vez contra sua candidatura.
Romano cita ainda um caso famoso que ficou conhecido no Brasil envolvendo Fake News, que ocorreu em 1989, quando Lula disputou as eleições com Fernando Collor. Naquela época houve o sequestro do empresário Abílio Diniz e muitas foram as Fake News usadas para abalar a candidatura de Lula, ligando membros do PT, seu partido, aos sequestradores. As notícias que acabaram com a candidatura do petista não foram propagadas pela internet, mas pelos jornais, revistas, rádios e TVs da época.

Maior impacto em momentos críticos
É justamente nos momentos em que a desconfiança e a insegurança ganham força, que parece haver uma maior influência das Fake News, analisa Moraes. “Quanto mais pulverizados e amedrontados estiverem os indivíduos, mais vulneráveis estão ao gigantesco e concentrado poder da grande mídia. E a nossa mídia, lembremos, é controlada por meia dúzia de famílias e outra dúzia de pastores eletrônicos. Aqueles que expulsam demônios dos corpos de seus fiéis”.
Na década de 50 o sociólogo norte-americano Charles Wright Mills, já falava sobre o poder das comunicações de massa na modelagem da percepção e do comportamento dos indivíduos, quando votam ou, simplesmente, quando fazem suas escolhas diárias, as mais variadas. Moraes cita o livro de Wright Mills – A Elite do Poder (1956), que diz que muito pouco do que julgamos saber da realidade social do mundo foi verificado diretamente.
“A maioria dos “quadros mentais” que temos são produto desses meios de comunicação — a tal ponto, que muitas vezes não acreditamos realmente no que vemos à nossa frente, enquanto não lemos a respeito no jornal ou ouvimos no rádio. Os meios de comunicação não nos proporcionam apenas a informação — orientam nossas experiências. Nossos padrões de credulidade tendem a ser realidade, determinados por eles, e não pela nossa experiência pessoal fragmentária”.

Pesquisadores do MIT Massachusetts Institute of Technology, com sede nos EUA, pesquisaram cerca de 126 mil notícias publicadas no Twitter entre 2006 e 2017 e descobriram que: a chance de uma notícia falsa ser compartilhada é 70% maior do que outras notícias. Isso porque, segundo o estudo, as notícias falsas chamam mais a atenção por serem mais inusitadas.

 O que é a verdade?
Do ponto de vista da filosofia, Romano enfatiza que não existe discurso humano que seja 100% falso ou 100% verdadeiro, dadas as limitações de tempo, espaço, personalidade, preconceitos, cultura etc. “É muito comum uma pessoa que representa uma determinada seita religiosa, por exemplo, transmita uma notícia com toques da sua seita, ou seja, com base na interpretação que ela tem do mundo e das pessoas,” diz.
Isso quer dizer, que quando transmitimos uma notícia, esta nunca é feita de maneira imparcial, mas por meio de sotaques particulares que todos nós temos. De outro lado, interpretamos o mundo à nossa volta com base em nossos mesmos sotaques.
Além disso, Romano ressalta que a fala, a escrita e a imagem são diacrônicas, vem uma após a outra. “Há um discurso depois outro, uma imagem depois outra, assim é na televisão, no jornal, no rádio, na revista. Já a internet e a comunicação moderna, com uso de celulares etc., se aproximam mais da sincronia, quase que imediatamente você toma conhecimento do que está acontecendo no resto do mundo. Essa sincronia não se desliga do sotaque particularista, facilitando a circulação imediata de uma síntese do que está ocorrendo, com uma rapidez muito maior, do que a linguagem escrita, visual e da linguagem oral. Este é um ponto que torna muito mais perigosa a difusão de notícias falsas sobre os outros e de boatos”.
Somado a isso, Romano destaca a falsa ideia, que muitos tem do possível anonimato na rede, o que facilita a divulgação das Fake News. “Já se criaram instrumentos para saber quem está usando o que, temos o IP etc. Mas mesmo assim, é muito difícil identificar imediatamente aquela pessoa que divulgou uma notícia falsa e até acontecer isso a notícia já se espalhou”, diz Romano Trazendo esse conceito para as eleições, como o voto é um ato de credibilidade, vota-se num determinado candidato, porque se acredita que ele tenha um programa que vai ao encontro de nossos interesses, uma notícia mentirosa pode facilmente mudar uma intenção de voto, explica Romano.
O docente da Unicamp cita Serge Tchakhotine, teórico da propaganda política, que diz que submetido a propaganda política massiva, como a que foi feita pelos nazistas, em um grupo de 100 pessoas apenas 10 conseguem resistir a sua persuasão. “Poucassão as pessoas que tem a capacidade de criticar e analisar coisas injustificáveis, ou seja, de 100, 90 deixam-se influenciar por essa propaganda. Este é um dado que é muito preocupante, se a propaganda já é entirosa, já é um processo retórico de manipulação e de persuasão, imagine uma propaganda que aperfeiçoe isso acentuando os lados negativos do grupo, do partido.”

TSE
Boatos sobre fraudes envolvendo as urnas eletrônicas e teorias da conspiração são tipos de notícias que mais circulam na época das eleições. Prestes a realizar uma das maiores eleições já ocorridas na história brasileira, envolvendo 146 milhões de eleitores, o Tribunal Superior Eleitoral tem se preocupado com o tema.
O presidente do TSE, ministro Luiz Fux, publicou um artigo, no qual fala sobre a importância da imprensa na luta contra a desinformação gerada pela disseminação das chamadas Fake News. Ele também chegou a conversar com o Google e o Facebook para que eles tomassem medidas para tirar mais rapidamente as Fake News das suas plataformas sob o risco de serem penalizados. E lembrou que o melhor antídoto contra as Fake News é o próprio exercício da imprensa livre.

COMO QUEBRAR O CICLO?
Apesar das iniciativas do Google e do Facebook para identificar Fake News, elas estão por toda parte, confira algumas dicas para quebrar esse ciclo. Seja como for a regra é clara, não acredite em tudo que lê na rede, pesquise antes e também não envie para os outros aquilo que não tenha certeza que seja verdadeiro. Veja mais dicas fornecidas pelo Senado Notícias.

  1. Verifique a veracidade do site original. Existem vários perfis no Youtube e sites especializados em espalhar notícias falsas. Eles são criados com um layout sério para enganar o usuário. Uma boa dica é ficar atento aos erros de português cometidos nos textos da notícia, do site e até mesmo do vídeo;
  2. Leia a matéria completa antes de compartilhar. Muitas vezes, basta uma frase de impacto e as pessoas já saem enviando posts para todos os lados sem nem conferir se aquilo que está escrito é aquilo mesmo. É importante ler até o fim;
  3. Pesquise a mesma notícia em diferentes fontes de informação. Muitas vezes, uma visita ao Google já pode ser a salvação para este tipo de erro. De modo geral, quando uma notícia é mentirosa, muitos sites já estão comentando o assunto;
  4. Confira alguns sites que desmentem notícias falsas espalhadas pela internet. Sugerimos os sites E-Farsas, Boatos e FakeouNews;
  5. Na dúvida, NÃO COMPARTILHE!